sexta-feira, 2 de março de 2012

Um sonho em Évora

Saí de casa. Estava cheia de pressa. Tinha de ir comprar urgentemente o Auto da Barca do Inferno que a professora tinha mandado comprar para a aula desse sábado e, se não chegasse à papelaria em cinco minutos, não o comprava. Aí, seria “orelhada” atrás de “orelhada”, ou melhor: seria um desfilar de puxões-de-orelhas-verbais (“Então onde é que ficou a responsabilidade?!”, “Eu não esperava isso da menina, sempre tão certinha e responsável!”, etc., etc., etc.!!..).
Desci as escadas a correr e assim continuei na rua, absorta nos meus pensamentos. Mas qual não foi o meu espanto quando subitamente vi… o Parvo!, Sim, era mesmo ele, o Parvo! Sim, Joane, o Parvo, o mesmo Joane brincalhão e sempre crítico do Auto da Barca do Inferno! Lá estava ele, sentado num dos ramos de uma árvore, a falar com as andorinhas, pedindo-lhes que não se fossem embora. Pelos vistos, Joane partilhava comigo a preferência pela primavera, o tempo das brisas leves mas não geladas do nosso inverno, do sol quentinho mas não escaldante que temos no verão, da festa mágica da profusão de cores e cheios e sons da natureza que desperta após a sonolência invernal.
Pelo que pude perceber, dizia-lhes o quanto gostava delas e adorava ouvi-las cantar:
- Por favor, fiquem, minhas belezas do oásis alentejano –dizia ele.
Cheguei-me à sua beira e atrevi-me a perguntar-lhe:
- Joane, que fazes aqui? Não tinhas encontro marcado como Diabo e o Anjo em Lisboa’ Para o julgamento…
Ele retorquiu:
- Não! O julgamento é só na sexta-feira 13, sua tola! Pensei que as moçoilas como tu, as de agora, sabiam tudo! Afinal, samica sejam também um pouco baralhentas da cabeça, como eu! AH, Ah!
Apercebi-me de que apenas eu o conseguia ouvir, pois as pessoas que por mim passavam olhavam-me de um modo estranho. Afinal, quem estava a fazer figura de parva era eu! Mas não fazia mal! Não era certamente todos os dias que se encontrava ao virar da esquina – ou melhor, ao pular da árvore – a nossa personagem preferida! E eu ali estava, a ver e a falar com Joane, o Parvo, ao vivo e a cores! Era surreal! Pedi-lhe então:
- Parvo, desce daí. Para além de te poderes magoar, quero conhecer-te melhor, ver-te mais de perto,…
Ele adotou uma atitude de espanto e desconfiança:
- Que interesse tens tu em conhecer samica alguém? Eu não sou ninguém, nunca fui! De valor, só tenho as minhas ideias – e essas ninguém as quer conhecer – e a minha voz crítica, e esta, às vezes é um bocadinho irreverente. Ah!, mas penso que tu sabes que eu sei que ambos sabemos que as palavras podem ter mesmo muito valor, ou então valor nenhum, depende dos ouvidos que as ouvem, e esses às vezes são surdos que nem uma porta, sobretudo se o que ouvem não lhes interessa  ouvir, ou porque são criticados ou porque de tão tolos que são os seus donos nem se apercebem das figuras de parvo que vão fazendo pela vida, julgando que a importância está nas roupagens que vestem, na criadagem a quem dão ordens ou das moedas que têm nos bolsões!
- Eu bem sei que tu tens razão, Joane! Há por aí tanto parvo sem saber! E é mesmo por essa tua simplicidade que te quero conhecer. Anda, desce daí e vamos sentar-nos em qualquer lado a conversar.
– Mas tu queres mesmo conhecer um parvo?
- Olha, parvos já conheço eu muitos. O que eu quero é conhecer-te.
- Mas olha lá que eu tenho muitos pecados, não devo ser muito boa companhia!... Às vezes até digo uns palavrões!...
- Na minha modesta opinião, penso que não és nenhum pecador. Vá lá, desce daí e vamos até ao Café Arcada comer uma queijadinha de Évora, que são deliciosas. Já provaste alguma?
- Ainda não. Se calhar, é capaz de ser uma boa ideia! Achas mesmo que eu não sou um pescador?
- “Pecador”, Parvo! Diz-se “pecador”!
E lá fomos ambos, pela arcada fora, falando e rindo dos trocadilhos que conseguíamos ir fazendo!


Ana Roma
 9ºE

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